Ask HiltiPergunteAprenderArtigos
Ask Hilti

O que sabemos do incêndio “Greenfell Towell”

há mais de 5 anos

Engineer Carlos Cotta

test,legislação,incêndio

1.0K

Até o momento sabe-se que o incêndio teve início, provavelmente no 4º andar em um dos apartamentos, denominado aqui no Brasil como de interesse social, a partir de um refrigerador. A edificação denominada “Greenfell Towell”, na Avenida Latimer, no bairro “Notting Hill” a Oeste de Londres, possui 24 andares e o incêndio iniciou-se por volta da 01h00, horário local. Estima-se que haviam 600 pessoas na edificação naquele momento e que provavelmente 79 pessoas morreram. O Corpo de Bombeiros foi acionado e chegou em aproximadamente 6 (seis) minutos. Algumas mortes poderão nunca ser confirmadas por conta da rápida evolução externa vertical do incêndio, resultando em diversos incêndios em diversos apartamentos em todos os andares. Desta evolução espera-se temperaturas extremamente altas em todos os andares, sendo que a morte por intoxicação e posterior calcinação das vítimas foi o produto desta verdadeira fogueira a céu aberto. Os ocupantes que não saíram nos primeiros minutos, certamente ficaram presos nas armadilhas criadas por este panorama do incêndio.


A edificação havia, recentemente, passado por um procedimento de renovação, sendo que em sua fachada foi instalado um sistema de acabamento denominado "over-cladding with ACM cassette rainscreen", um tipo de revestimento para acabamento para fachadas de edificações, cuja responsável pela instalação foi a empresa Harley Facades Limited, contratada pela Empresa Rydon que era a responsável pelo gerenciamento da obra. De forma simples ACM é basicamente um “sandwich” de duas placas de alumínio com enchimento isolante. ACM frequentemente possuem como enchimento polyethylene (polietileno), o qual pode ser extremamente combustível. Iniciaram investigações para avaliarem tanto o revestimento aplicado nesta fachada, quanto demais outras em diversas partes do país.


Especialistas alegam que este material aplicado na edificação incendiada é o mesmo que foi aplicado em dezenas de outras edificações incendiadas em todo o mundo, tais como: Emirados Árabes, Coréia do Sul, China, Rússia, Austrália e Estados Unidos. Em 2014, uma pessoa morreu e outras seis ficaram feridas em Roubaix, França, em 2012, após o edifício Mermoz ter sofrido renovação com revestimento de acabamento de fachada combustível.


Se todas as informações conhecidas até o momento se confirmarem, uma reformulação e reavaliação deverá ser necessária, uma vez que não se trata de exigir mais sistemas de proteção na parte interna da edificação. Muitos estão alegando que se houvesse sistema de chuveiros automáticos não haveria tamanho incêndio. Na minha opinião e de muitos especialistas, em todo o mundo, não se trata de exigir mais sistemas de proteção interna na edificação e sim de melhorar o controle do tipo de produtos instalados do lado externo. Um incêndio pode iniciar-se de várias maneiras, como por exemplo um curto-circuito (como aparentemente foi o caso), ou um incêndio nas cortinas de um apartamento, sendo que este pode se propaga rapidamente para o exterior muito antes de conseguir alcançar temperatura suficiente para o acionamento de um bico de chuveiros automáticos. Um sistema de detecção, desde que funcionando adequadamente e atendendo aos requisitos de norma, poderia ter avisado rapidamente a população, a qual iniciaria o abandono. Rotas de fuga protegidas e com materiais de acabamento e revestimento interno adequados, teriam, certamente, controlado o tamanho do incêndio. Mas, a questão de se inserir na fachada da edificação produtos altamente inflamáveis com alta velocidade de propagação de incêndio, colocaram por terra qualquer solução ou gestão de proteção contra incêndio.


A composição em forma de “sandwich” deste acabamento externo para fachadas, elimina a eficiência do combate externo, com jatos de água, por parte de qualquer Corpo de Bombeiros em qualquer lugar no mundo. Atualmente, as edificações ficam mais e mais altas e mais complexas. Adicionar, a tais edificações, um acabamento ou revestimento inflamável e que possui na sua camada externa, acabamento ou revestimento, capaz de impedir a ação da água é outro aspecto importante para se entender o porquê o incêndio propagou-se livremente, verticalmente, mesmo com a chegada antecipada do Corpo de Bombeiros e suas tentativas de resfriamento e combate. O cenário se repete pelo mundo afora, com Corpos de Bombeiros impedidos de agirem.


Outra questão é que a forma de “sandwich” destes acabamentos e revestimentos externos, além de impedirem a ação dos Corpos de Bombeiros, propicia um efeito, ao qual podemos denominar de “chaminé”. O material interno deste “sandwich” ficou protegido pela parede da edificação e sua camada externa, aparentemente metálica, garantindo, assim, sua propagação vertical. Permitiu a evolução vertical do incêndio com grande velocidade e sem qualquer elemento intermediário que pudesse parar esta evolução vertical. Um dos conceitos que sempre devemos pensar em qualquer incêndio é diminuir a chance desta propagação vertical. Por isto se exige a proteção, em cada andar, de shaft´s (aberturas existentes para as prumadas elétricas, telefonia e hidráulicas, bem como elevadores) existentes nas edificações com mais de 12 (doze) metros de altura. O objetivo é sempre restringir o incêndio no andar de origem. Deve-se evitar que um incêndio atinja vários andares ao mesmo tempo. No incêndio de Londres, pôde-se constatar que vários andares foram atingidos ao mesmo tempo, transformando a edificação em uma verdadeira fogueira descontrolada. Foi o que muitas das testemunhas relataram. Alguns afirmaram que parecia uma “fogueira”, outros afirmaram que não parecia um edifício e sim parecia papel queimando, tamanha a velocidade e ferocidade do incêndio do lado de fora.


Como todos sabem, edificações altas sofrem com a ação dos ventos. Cálculos estruturais são realizados para contrapor tal feroz ação natural. Um incêndio na fachada de uma edificação nunca foi estudado por não ser, em termos de engenharia de incêndio, algo esperado. Este incêndio obteve, ainda, mais ajuda para sua propagação vertical, ou seja, obtinha constantemente oxigênio em grande quantidade. Oxigênio livre do ambiente externo e o aumento de sua velocidade de propagação com a ação dos fortes ventos, os quais aumentam à medida que o incêndio se propaga verticalmente de forma ascendente. Não há Corpo de Bombeiros no mundo que consiga gerenciar tamanha força. Se os bombeiros tentarem combater internamente o incêndio, em um determinado andar perderá a luta contra as chamas nos demais andares. É uma luta perdida já no início.


Um exemplo da complexidade deste tipo de incêndio é o impacto nas regras consolidadas para abandono da edificação, observadas, nas primeiras análises, por especialistas. A população foi treinada e haviam sinalizações orientativas para que esta adotasse dois procedimentos: o primeiro relacionado a abandonar a edificação utilizando-se das escadas de segurança e a segunda relacionada com permanecer em seus apartamentos, fechando as portas. Qualquer um dos procedimentos, para este tipo de incêndio, seriam inúteis. O primeiro por conta de que os corredores das rotas de fuga foram tomados pela fumaça e incêndio praticamente generalizado pela sua velocidade vertical, atingindo demais unidades habitacionais em diversos andares, e o segundo porque, permanecendo no apartamento (seguindo a segunda regra), o incêndio alcançaria o usuário pelo lado externo através das janelas.


Como, até o momento, não se sabe se o sistema de alarme chegou a alertar a população usuária (mas os primeiros relatos foram de que não foi acionado), as pessoas tiveram suas chances de sobrevivência diminuídas se não abandonaram a edificação nos primeiros minutos. Não se deve pensar, também, em mudar a estas rotina e treinamentos, uma vez que este tipo de incêndio não pode e não deveria ser esperado, bem como não deve ser replicado.


O trabalho de gestão da segurança contra incêndio deve ter como base a prevenção, ou seja, para o caso dos materiais de acabamento e revestimento, na especificação de produtos adequados que possuem critério de baixa velocidade de propagação de chamas e baixa emissão de fumaça. Inclusive tal critério consta praticamente em todos os Decretos Estaduais, bem como atualmente na Lei Federal nº 13.425, de 30 de março de 2017, em seu artigo 4º, inciso III.


Neste viés deve-se observar que os testes estabelecidos na Instrução Técnica 10 do Corpo de Bombeiros de São Paulo, replicada em outras Legislações de outros Corpos de Bombeiros em todo o Brasil, confirma e consolida os temores da grande possibilidade de ocorrência deste mesmo tipo de incêndio em nossas edificações, as quais se utilizam de tipo similar como material de acabamento nas fachadas.


Destacamos isto por conta de que, em 2015, a Divisão Técnica de Engenharia de Incêndio do Instituto de Engenharia enviou proposta, ao Comando do Corpo de Bombeiros de São Paulo, para mudança nas exigências para os testes de aceitação dos produtos de acabamento e revestimento, atualmente consolidados na IT-10 e suas normas referenciadas. Tais critérios atuais, os quais realizam testes parciais, deveriam ser revisados, uma vez que já se verificou que existe uma grande diferença nos resultados obtidos em testes parciais de pequenas amostras (testes exigidos pelas normas elencadas na referida Instrução Técnica), comparativamente aos testes reais, estabelecidos da norma ISO 9705 que propusemos (quando todo revestimento está montado com todos os seus componentes e em sua posição no ambiente). 


Figura 1 - Modelo de teste em escala real da ISO 9705


Outros países já exigem e realizam testes mais adequados para materiais de acabamento e revestimento nas edificações. Estamos tratando aqui de testes para materiais de acabamento e revestimento para o interior da edificação somente. Como o resultado comparativo entre testes parciais e testes reais, para ambientes internos, já mostraram resultados, preocupantemente, diferentes entre eles, devemos antever o que pode ocorrer com os resultados destes testes parciais realizados para materiais instalados no exterior da edificação. Ou seja, os resultados de testes parciais são enganosos. Índices de propagação da chama aceitos em testes parciais resultam em materiais que propagam incêndio quando em testes reais.


Entendo até que deveremos ir além. Até existir experiência obtida de testes exaustivos, não se deve aceitar materiais combustíveis nessas fachadas, mesmo que alcancem Índices aceitos por tais normas brasileiras, em seus testes parciais. Mantas cerâmicas e lãs de rocha, que são materiais incombustíveis e isolantes térmicos, utilizados em portas corta-fogo, podem ser os revestimentos internos destes revestimentos para fachadas, até que se defina o teste mais adequado para tais acabamentos exteriores. O que não podemos é compactuar e continuar aceitando a inserção de tais materiais, por puro interesse de construtoras ou soluções de arquitetos e/ou engenheiros desqualificados e incapacitados na área de engenharia de incêndio. As seguradoras, também, devem engrossar este coro. A Boate Kiss já demonstrou, infelizmente, que a esmagadora maioria dos profissionais, infelizmente, são incompetentes na área de engenharia de incêndio. Certamente, em São Paulo e em todas as demais cidades do país, estes mesmos produtos de revestimento externo, os quais vitimaram dezenas de pessoas em Londres em um prédio residencial, são largamente utilizados em milhares de edificações. Em termos de gestão de segurança contra incêndio, necessária reavaliação, por parte dos Corpos de Bombeiros, de todos os projetos já aprovados e/ou com Auto de Vistoria em vigor, de edificação com tais revestimentos externos, deve ser realizado, para se identificar as características destes materiais aplicados, bem como identificar o risco de propagarem verticalmente um incêndio.

Como não possuímos laboratórios de testes no Brasil, preparados para a realização destes testes reais, não significa que devemos compactuar com o atual panorama. Quando estava escrevendo este artigo, pude ler a preocupação de diversos especialistas ao redor do mundo com tais questões. Eles afirmam que muitos ainda irão morrem em todo o mundo até que exigências sejam reformuladas e aplicadas.


Ainda existe outra investigação contra um dos profissionais, especialista na avaliação de risco, por ter conspirado em conjunto com a organização que gerencia algumas edificações na região. A alegação é de que o profissional especialista, um bombeiro aposentado, coordenou ações para esconder os riscos e falhas nos sistemas de proteção contra incêndio existentes.


Após 2010 a organização responsável pela avaliação dos riscos nesta edificação de Londres, procurou outra empresa mais competitiva, e que pudesse contrapor as exigências do Corpo de Bombeiros local. Aparentemente, uma das soluções foi a contratação deste especialista que, aparentemente, escondeu informações vitais de riscos existentes e questionou as exigências do Corpo de Bombeiros local, afirmando que eram excessivas. No Brasil, qualquer engenheiro ou arquiteto, incompetente e irresponsável, assina e declara qualquer coisa em suas Anotações de Responsabilidades e tudo está certo, ou seja, tudo errado!


Os Corpos de Bombeiros continuam nesta ciranda louca de documentos e burocracia, mesmo conhecendo que o que é produzido é lixo, haja vista o que ocorre com sistemas de detecção e alarme wireless, bicos de chuveiros automáticos falsificados, centrais de alarme e detecção que os enganam, atestados de aplicação de tintas antiignífugas falsas, materiais de fechamento de “shafts” descumprindo seus laudos de aprovação e por aí vai. Vejo isto todos os dias. Ainda há tempo de corrigir, mas procedimentos de gestão devem ser mais corajosos.

 

https://www.hackneycitizen.co.uk/2017/06/21/grenfell-fire-two-hackney-tower-blocks-sprinklers-estate/

 

http://firenewsfeed.com/news/217928


Figura 2 - Remoção do revestimento externo para testes laboratoriais



Figura 3 - Imagem da edificação incendiada e o seu entorno, que dificultou ainda mais as ações de combate


No comments yet

Be the first to comment on this article!